Numa sociedade onde imperam as relações, as conexões e parcerias, a individualidade sempre é condicionada a se adaptar, ajustar e encaixar. Por outro lado, sem a singularidade dum indivíduo, e a sua correta orientação/manifestação, a sociedade corre o risco de ser apenas um grupo de pessoas desajustadas.
Há uma característica específica da individualidade que, pelo Human Design, se chama de Canal do Carisma. Quer esteja presente em nós, ou não, esta frequência está a ganhar considerável importância para o coletivo na Grande Mudança que se avizinha. Esta é uma energia crua, e de alguma forma explosiva, e com um potencial incrível de sobrevivência e eficiência, quando aceite e respeitado na sua mais fiel verdade individual. É, por isso, muito importante explorar e aceitar esta mecânica. O canal do carisma é, para mim, um rebelde criativo que, quando bem centrado em si de forma correta e saudável, potencia-se de forma única e impacta assim os outros à sua volta.
Esta força representa um dos blocos fundacionais da humanidade, e é por isso que sinto ser de extrema importância perceber a sua mecânica, seja para quem a tem no seu mapa seja para quem convive com ela. Ao lermos a definição desta energia, “onde os pensamentos se tornam ações”, facilmente percebemos a sua natureza de manifestação rápida. Aqui temos um motor de energia pura com uma ligação direta a uma caixa de velocidades situada na garganta, ou seja, energia com uma saída contínua de manifestação e comunicação. É importante que nos debrucemos sobre estes pormenores simples para entender uma energia que é tão mal compreendida por todos (incluindo pelos próprios), uma vez que reside aqui uma capacidade de trabalho imensa que pode beneficiar o coletivo. O que mais oiço em gabinete, em quem a possui na sua genética, é “eu não queria ser assim”- pela dificuldade em se aceitarem.
Esta dificuldade passa maioritariamente por uma espécie de (auto)rejeição imposta pela incompreensão à volta e pela intensidade que se sente interiormente no corpo – é muito visceral e animal. Posso falar na primeira pessoa, pois possuo esta força no meu mapa e posso garantir que é bem mais difícil gerir esta energia do que qualquer outra. A energia em si, na sua mecânica, precisa estar sempre ocupada a fazer o que gosta, mas normalmente ocupa-se nas coisas que não interessam necessariamente para o próprio, o que leva um desgaste desta energia e consequente frustração. No entanto, mesmo quando ocupado a fazer o que gosta e ‘sem tempo’ para os outros, a onda de incompreensão e críticas à sua volta costuma ser evidente (incluindo de si mesmo), o que também dificulta a sua correta utilização pelo condicionamento. Lembro perfeitamente de me castrar e autocriticar por muitas vezes não me lembrar de fazer o jantar para os meus filhos por estar deliciadamente ocupada a estudar o que gosto – foi libertador desapegar-me deste condicionamento e com muita compaixão poder expressar-me, para quem me rodeia, nesta minha natureza e desta minha necessidade de estar sozinha e ocupada comigo. Sem isso toda a eficiência deste canal torna-se destrutiva em mim e, neste caso, na educação aos meus filhos – é mecânico! É por isso que este canal necessita de orientação subtil, e não direta, para que esta fábrica de energia seja bem canalizada para o que é correto para si mesmo.
O que sinto é que este canal está aqui para nos mostrar a importância da individualidade – o egoísmo bom. Quando falamos em egoísmo pensamos sempre em algo menos bonito. Gostaria aqui de esclarecer e reforçar que egoísmo é uma coisa boa, o egocentrismo é o lado menos bonito do egoísmo. Por isso esta é uma energia que impacta, que até incomoda, os outros porque há no inconsciente do coletivo a crença, o condicionamento, de que devemos viver para os outros em primeiro lugar. Ora, neste canal, reside o egoísmo mais puro e inocente que nos pode levar efetivamente a uma sociedade mais harmoniosa! Explico: quando soubermos ser egoístas no sentido de vivermos no presente, no famoso Agora, centrados no nosso papel único e desenvolvendo em nós a aceitação da nossa diferença e o amor-próprio necessários para a nossa sobrevivência, teremos indivíduos saudáveis que irão ter relacionamentos também mais saudáveis e que se podem complementar.
Gosto sempre de dar o exemplo do avião: nas instruções que nos dão antes de levantar voo, explicam que em caso de emergência a máscara de oxigénio deve ser colocada primeiro em nós e depois nos filhos. Reflitam comigo: não é um exemplo claro de egoísmo com vista à sobrevivência? É tão simples quanto isto. E é importante percebermos todos isto perante o cenário da Grande Mudança que se aproxima, mas também para compreender a natureza deste canal e da individualidade. Só seremos uma sociedade equilibrada quando tivermos indivíduos em completa aceitação e consciência de quem são.
Este canal é também muito acústico, pelo que aumenta a importância de estar verdadeiramente ocupado com o que gosta para que possa “ouvir” os sentidos e estímulos à sua volta e estar em resposta correta e honesta, sem sucumbir à tendência de escravo de tudo (e muito) fazer. E, falando de som, em jeito de brincadeira (séria) gosto de associar este canal à música do Frank Sinatra “My Way”. Toda a letra é curiosa, mas destaco o último parágrafo:
“For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught
To say the things he truly feels
And not the words of one who kneels
The record shows I took the blows
And did it my way”
Se nós não formos nós mesmos, em amor e não em dor, não temos nada. Mais do que as palavras, as nossas ações mostram-nos. E, como também digo sempre, nós podemos disfarçar o que quisermos na vida, mas a energia não mente. Neste caso, do carisma, nem ele mesmo consegue disfarçar nada – a expressão mostra-se antes até duma ação. E não há nada que esta característica da individualidade mais goste do que a integridade de ser e a eficiência de gerar-manifestar. E isto é a natureza simples duma força tão complexa. E, para mim, é bonito e até poético porque esta força possui em si também uma melodia doce. Será que não é chegado o Tempo de nos sabermos equilibrar individualmente?